O gosto de sangue impregnado em sua boca misturava-se com o suor que escorria ininterruptamente pelo seu rosto. As marcas apresentadas após a sua tentativa pífia de se fazer humana, por vezes, acarretavam apenas algumas cicatrizes pelo corpo.
Para tanto, equipava-se do mais nobre sentimento de realização ao disparar e proferir contra si mesma as mais algozes técnicas de tortura. O sentimento de insipiência a partir de tal circunstância se esvaia. Sentia-se, então, coberta por um manto de liberdade.
A cortina desse insólito teatro não possui momento certo para acontecer ou terminar. As intermináveis tentativas de compreensão existencial vão além do que nossa nobre protagonista pode supor.
Para ela o ser e o sentir são considerados o ápice do seu conceito de vida, quase uma Hamlet contemporânea.Vivendo na dualidade entre o ser e o dever ser. As peças dificilmente se completam de modo harmônico.
O contexto no qual vivemos, década de 10 - século XXI, não é favorável à respostas concretas, sapiência ou para a coerência. A loucura proveniente dos atos reflete todas as dores e tentativas esparsas pelo mundo. O superficial e consumismo enraizado em todos os setores sociais, encontram-se em uma ausência diálogo sem cerimônia com a real finalidade sobre o que é 'ser humano'.
Músicas, comerciais de TV, arte... Absolutamente nos transformam em algo que não sabemos até que ponto somos influenciáveis. O limite entre o ser e o ter. A partir de tal pressuposto posso, até, compreender a nossa personagem que vive no liame da sua intrínseca necessidade de sentir, ser. Um sufoco preso dentro de si.
Então, com a mão direita limpou suavemente o sangue próximo aos seus lábios. Secou o suor da sua face com uma toalha branca que, imediatamente, recebeu resquícios da coloração escarlate. Encostada em seu carro em meio ao nada, sorriu de si mesma. Sorriu a respeito da vida. Procurou em seu cooler algo para beber e, após uns goles de cerveja da marca felicidade engarrafada, sentiu-se plena.