quinta-feira, 16 de maio de 2013

Nem seu choro, nem sua reza. - Roberta Melo


Na fúria, saiu apressada e sem pensar de maneira coerente sobre o que lhe acontecia. Havia um sabor opaco em si. Suas pernas estremeciam. Estava entre devaneios... 
Nossa personagem guardava sempre o melhor de si para os outros e, na penumbra, renunciava aos seus mais sutis desejos. De renúncia em renúncia; castrou-se. Sua boca que antes cantavam versos sobre a aurora foi ganhando o hábito de lentamente emudecer. Falava miudinho, falava para si. Quando imaginava sair alguma voz, era apenas sua alma ou mente conversando consigo mesma. Imaginava que os outros a escutava. Imaginava que tudo o que era dito transformava-se em poesia. Apenas imaginava.
Seu reflexo e sua dor eternizados na imagem que observara no espelho. Esse tempo de singela restrição vocal tornou-se propício para que mudanças sensíveis ocorressem em seu corpo. Sua boca colou-se de maneira lenta e imperceptível. Seus lábios uniram-se ao palato e, só assim, em seu reflexo, percebeu que a sua voz ecoava internamente. Queria gritar, pedir ajuda; não podia. Tornara-se sem voz, não podia chegar aos outros.
Seu corpo agora se encontrava marcado pelas linhas da vida. Nós que se entrelaçaram a sua existência, ao seu âmago. Nem seu choro, nem sua reza poderiam proporcionar a sua salvação.


                                                                                                    Roberta Melo