terça-feira, 5 de julho de 2011

Além do Conforto


É mais um dia nubloso e acho que se eu continuar aqui no telhado não afetará em nada a rotina dele, nem a minha, já que a minha senhora ainda continua com o tricô diário... Ai, ai,... Acho que irei lamber um pouco mais meus pelos e me espreguiçar novamente. Toda vez que a chuva chega antes dos garotos entrarem em casa eu vejo uma cena engraçada, pois adoro quando aquelas mulheres e homens saindo de seus territórios gritando o nome de seus filhotes. E ainda se acham espertos...

Segundo o rádio a chuva seria muito forte, acho que minha dona vai gostar de me ter um bom tempo por perto... É pensando e acontecendo! Eu não disse? Já ouço chamar meu nome... Tenho que sair deste local. É tão delicioso andar pelo telhado... Uma sensação única, essa inclinação, é uma tarefa extremamente cuidadosa, pulando de um lado, descendo de outro e a janela já está aberta me esperando. Os pássaros voam para longe, queria poder saber o que há por lá.

Eu disse que não gosto de ver você andando pelo telhado! Vai que encontra algum perigo por lá? Você bem sabe que me da uma dor imensa no peito só de imaginar ver sua imagem desfigurada no chão... Mas essas coisas não dão para evitar por muito tempo, até você, algum dia, deverá se acostumar com minha ausência. Bom... Hoje seu leite vai ser do jeito que você gosta, morninho, que é para acompanhar o clima. Sabia que disseram que a chuva vai ser muito forte hoje? Ainda bem que você me escutou logo, pois eu já teria que fechar imediatamente as janelas, tragédias podem acontecer a qualquer instante. Ah! Você quer mais leite? Deixa eu por mais um pouco.

Fui direto à tigela, ela havia acertado completamente, adoro o leite naquela temperatura. Bem... Já era de se esperar a chuva forte, ando notando muito bem o gesto diferente dos pássaros, apesar de não entender com perfeição como isso ocorre. Minha dona é uma senhora muito boa, ela é solitária, e posso até entender o motivo, pois, vendo o comportamento dos outros animais humanos eu também ficaria reclusa de tal maneira. Adoro minha almofadinha, ela é amarela e tem um bordado branco com as minhas iniciais G. G. ( Gata Gigi), eu adoro o meu nome, principalmente pelo fato dele ter surgido de um filme que minha dona gosta. É tão bom ficar deitada na almofada em dias como esse, ajuda a esquecer um pouco a vontade de saber o que há atrás da rua.

Hoje chegou minha nova revista de palavras cruzadas, Gigi. Ainda bem que o carteiro não amassou o envelope como a do mês passado, aquilo me deixou profundamente triste, pois é como se a outra pessoa não gostasse do que faz ou não se importasse com o que a outra pensa, pois se você está em um emprego deve fazê-lo com primazia, era o que meu pai falava.

A senhora Carmem tinha 75 anos, morava sozinha, os filhos não apareciam, muito menos os netos. Ela dizia que eles tomaram chá de sumiço, eu nunca encontrei esse chá na prateleira dela. “Hoje em dia é assim, só os animais são verdadeiros amigos.” Ela completava. Eu me sentia extremamente grata por tal comentário, dava vontade de pedir outra tigela de leite, mas eu procurava não exceder, afinal, ela era apenas uma senhora que precisava de mim.

Algumas coisas você aprende com o tempo. Certo dia no telhado eu estava brincando com uma borboleta que muito me importunava, mas, infelizmente, acabei me desequilibrando e derrubando alguns jarros de flores da prateleira, não aconteceu nada comigo, evidente, mas aqueles seres verdes estavam todos no chão. Foi uma das vezes que eu vi a senhora Carmem chorar por algo que eu fiz, e percebi que ali eram muito mais que flores paradas, eram as flores da dona Carmem. Passei o dia entre as pernas dela tentando alegrá-la, até que ela me pôs no colo e com um abraço disse que colocaria leite, já estava tudo bem.

A casa não era muito grande, o quintal parecia ser maior, havia muitos quadros na parede, tinha uns que pareciam com um lugar que chamavam de praia, sei disso, pois aparecia em novelas que ela assistia. Gostaria de saber como é lá, o que se passa, qual seria o som...

Eu gostava muito de dormir atrás do sofá, mas era proibido, já que poderia ter algum acidente com a tomada que tinha na parede. Eu durmo na poltrona bege, que não deixa de ser confortável também. Muitas vezes bate um tédio dessa vida,... Dizem que é fácil, que queriam ser eu, mas não é. Vejo muitos gatos gritando, correndo,... Pássaros voando e conhecendo outros lugares,...

Eu gostaria de poder entender a vida, Gigi, mas creio que isso todos queriam entender. A melhor forma que eu vejo de escapar disso é assistindo tv e escutando música, sei que você ainda gosta, não adianta fugir como se estivesse cansada dos meus discos. Acho essa coisa de tecnologia muito absurda, nunca me acostumei com os cd’s, e em pensar que o Carlinhos da última vez que esteve aqui me implorou para aceitar aquele aparelho, e eu lá sou doida de vender meus discos? “Jamais! Prefiro perder a amizade que a dignidade.” Ainda lembro das minhas palavras no dia, e já faz tanto tempo que ele faleceu, me arrependo de não ter aceitado o presente, não que eu fosse usar, claro que não, isso nunca, mas seria uma recordação. Você não acha?

Eu gostava de escutar suas lembranças, mostravam coisas que eu não sabia dela, e é tão bom conhecer tudo! Mesmo que haja poucas coisas ao meu alcance eu sempre vou além...Outro dia mesmo, eu desbravei uma enorme caixa de papelão, dona Carmem achou graça ao me ver andando embaixo dela pelos cantos do quintal, disse que se divertia muito comigo.

A chuva por um lado me deixava alegre, pois eu sabia que tinha um lar para viver, mas é tão ruim não conhecer os da sua espécie, mesmo que eu ficasse solitária depois de tantas coisas, como a minha dona, é sempre bom sentir, esse deve ser um aspecto para ter certeza que se encontra vivo. A incerteza de que amanhã poderá fazer sol me deixa na expectativa de poder ver, e se fizer sol... Eu posso ir para o telhado ver os pássaros voarem, não para o norte, ou sul, mas em volta das árvores.

Eu poderia fugir, desbravar esse mundo... Ser uma gata selvagem como esses que aparecem em filmes, mas dona Carmem é tão boa e tão só ao mesmo tempo. Essas ideias eu posso deixar para outra ocasião, para outro dia.

Ela havia me dito que eu não poderia andar entre a grama naquela semana, pois estava muito grande e o jardineiro estava doente. Minha saga pelo telhado continuava como ponto principal, alguns gatos surgiam para conversar comigo, mas eu saía imediatamente de perto. Eles poderiam me passar muitas doenças, eu já estava avisada.

Deveria ter criado algum filho de forma diferente, talvez eles ainda estivessem aqui. Não entendo como tudo isso veio a ficar trágico dessa forma, talvez pela minha alta sensibilidade a arte tenha afetado tanto, que ficaram com repúdio da minha velhice. Deveria ter ensinado as coisas sem metáforas primeiro, pois hoje em dia a metáfora é quem me ensina.

Sentia vontade de me tornar gente nesses momentos e agradecer a tudo que ela me faz, mas isso só acontece em sonhos.

Fiquei andando pela casa buscando tentar ajudar em alguma coisa, mas dona Carmem já não se movimentava mais, sabia o que tinha acontecido, foi seu sonho eterno que chegou, mas era tão difícil de acreditar, de entender, tanto, mais tanto, que eu passei a entendê-la mais. Fui para a porta do vizinho com o envelope na boca, pois ela já havia me ensinado tais coisas para quando essas circunstâncias aparecessem. Não foi tão difícil quanto a dor. A liberdade muitas vezes chega com um alto preço.

Agora eis o que sou,... Uma gata que queria o mundo e que agora não sabe o que fazer com ele. Aventurar-me por entre essas ruas e finalmente conhecer o mar parece sombrio e sinto receio... Mas se é para isso que me encontro no portão, não voltarei para a casa novamente sem antes conhecê-lo.

Mas eu não sei para onde é a direção da praia, como será que irei encontrar? Acho que essa ideia começou a complicar...

Continuarei e farei alguns ajustes posteriormente ;)

5 comentários:

Michele Batista! disse...

Oi,flor!
show o texto!
ameei o blog,tô seguindo!
beeijo!

Lívia Gurgel disse...

Aaan :/ achei interessante o texto, quando comecei a ler fiquei encantada pela perspectiva da gata! E no final não é que ficou bem humano? Queremos o mundo e ao conseguir nao sabemos mais o que/como fazer.
Adorei! Beijos.

BelMendes disse...

adorei o texto, mesmo.
lindo blog
http://saiadeflorbm.blogspot.com/

Rafaella Soares disse...

Nhoin, achei o texto fofo *-* Não gosto muito de gatos, mas visto dessa forma eles até parecem fofos, haha. Beijos!

Blog "By the Glamorous" disse...

Uma graça seu blog, flor! :)
Me segue? Sigo de volta!
Beijos,

http://bytheglamorous.blogspot.com/