terça-feira, 4 de junho de 2013

Carta ao amigo - Roberta Melo




Prezado amigo,



   Era claro que já não havia mais tempo para continuar a sonhar, cantar ou usufruir daquela vida que dantes parecia recheada de surpresas e novidades. Já se passou quase 10 anos desde a primeira vez que dei o primeiro beijo e senti as famosas borboletas na barriga. Sonhos que foram previstos para serem concretizados depois desses mesmos 10 anos,... Noto que nada ou muito pouco restou deles. 

  Essa vida transformada em tonalidades frias e inertes toma conta da atmosfera e o passado, anteriormente visto em tons alegres e com gosto de arco-íris, ficou por lá. As novas descobertas são marcadas pela apatia e tédio, e estes, já não me angustiam da mesma forma de como quando era adolescente. Lembro também de como me tornei tão serena ao encarar os momentos agressivos da vida pública, onde, em momentos de infância, acreditava que aquilo era uma coisa dos adultos e nessa leva de hormônios indo e vindo, percebo que me tornei um e que nada está no meu controle; nem o meu país, nem mundo.

   Mentiras e palavras vazias são esfregadas em nossa vida dia após dia, ano após ano nos transformando exatamente nisso, em robôs. Nem todo livro lido, nem toda aventura desejada e nem as ideias de mudança conseguiram modificar a sociedade. Vejo que isso apenas serviu para construir o meu eu e para tornar tal habilidade, quem sabe, em uma forma gradativa de conseguir dinheiro. Pessoa programada para perder o sorriso, ser pai e ser mãe ao mesmo tempo, induzida a ter uma religião e, posteriormente, a pisar nela diariamente, pois, mesmo querendo construir um céu mais amplo, a vida nos leva a ver e fazer coisas cruéis. 

   Vivemos a comer nossa própria língua, a beber o nosso próprio veneno, a achar comum roubo e a indisciplina, tendo o amoral como direção a ser seguida. Pois é meu amigo, ensinam-nos a ter tudo ou nada, mas, que no final, recebemos a mesma dor, o mesmo medo. 

   O não cumprimento da lei liberou a onda anárquica no mundo político no qual tudo é possível e os pobres, como sempre, ficam longe do sonho e aptos somente para seguir uma doutrina inexistente. 

   Hoje, caminhando na calçada como já fazia em outras tardes, essa nobre personagem desatou em lágrimas.

Atenciosamente, 
A Pessoa

P.S. Lembre-se de entregar jabá ao rei!